quarta-feira, 23 de maio de 2012

Primórdio

Era tarde, já fazia três meses que se encontrava ali, com tantas responsabilidades diante de muita papelada e pessoas que passara a conhecer e desejar bom dia a pouco tempo.
Tinha um medo estranho de falar ao telefone, falava o que precisava mas com voz baixa, sempre pediam, "fale mais alto, não estou te entendendo", ela só repetia mas com o mesmo tom.
Só com o passar do tempo se ganha confiança pra pequenos gestos que é normal pra muita gente, como sugerir um café, desejar bom dia, fazer comentários em reuniões, questionar alguma coisa, mas sabia olhar nos olhos, olhar dentro da pupila.
Ficava cogitando quem iria desviar olhar primeiro, quando desviavam o olhar, ela dava um sorriso singelo de lado como se tivesse vencido alguma coisa que só ela sabia. Naquela tarde havia dado um certo problema na impressora, todos os papéis imprimiam em branco ainda que tivesse tinta, o caminhão aguardava, o motorista aguardava e o cliente aguardava, aqueles documentos não impressos por falta da manutenção que havia sido solicitada no período matutino, aqueles documentos deixava todos ali parados ansiosos, deixava de maneira indireta dinheiro parado; dinheiro!
Foi quando rapidamente entrando na sala com a cara fechada amargurada, do senhor de cabelo grisalho, um pouco calvo no meio da cabeça e de resto longos fios que era jogado pra trás rapidamente como uma maneira de demonstrar sua irritação pela aquela paralisação forçada. Era ele o sócio daquele lugar e sua vida particular, suas contas, suas dívidas e toda sua vida o enfurecia e como num gesto de expressão olhou ela nos olhos e bateu com a palma da mão fechada na mesa, se sentou na cadeira  que se encontrava vazia em frente a mesa dela e começou a falar, a falar alto, a gritar, próximo as janelas de vidros ao lado da fábrica e a porta aberta.
 Estava aberta e surgiram como mágica vários funcionários para assistirem o espetáculo, "a menina nova levando broncas aos gritos" pensou ela e olhos fixamente para o sr. de cabelo grisalho, alto, com fortes braços e mão delicadas de quem nunca realmente tinha pego no pesado ou soubesse de algum fato verdadeiramente interessante além da matemática e bolsa de valores, estava ali e declarava a ela com toda a certeza do mundo da falta de capacidade dela no trabalho e outras certezas que ele tinha com ele.
A melhor delas era a sensação de posse que naquele momento, como o homem autoritário, aquele que todos que se aproximavam para ver e temiam, todos os seus subordinados o ouvia de cabeça baixa, escondendo o riso e a euforia que sentiam ali ao observar a menina olhando e ouvindo atentamente cada grito insensato. A faxineira limpava a sala (mais uma telespectadora, pensou) ela sentia que aquela telespectadora olhava a situação meio que de lado, com pena.
Então chegou dois rapazes da manutenção, pediram licença e entraram. Tenso. O Sr. saiu da sala, saíram junto dele mais três pessoas que estavam ali, na janela dela havia mais um que saía também (alívio), só ficou faxineira limpando e os rapazes consertando a impressora, aquele aparelho quebrado que trouxe tanto constrangimento, além de deixar um choro preso na garganta. Então ela recordou que o sr. de cabelo grisalho já havia feito outras mulheres ali chorarem, talvez assim ele sentia mais forte, talvez aquilo o fizesse se sentir um cara poderoso, quem sabe. Ali todos achavam graça de ver qualquer outra pessoa que trabalhasse atrás de uma mesa chorar, pensou tanto nisso que engoliu o choro e resolveu nunca, mas nunca chorar na frente de alguém, nunquinha!
O Sr. de cabelo grisalho passou em frente a sua sala, encarando nos olhos aguçado e curioso, ela sorriu pra ele, ele a ignorou olhou pra frente e passou a mão no cabelo de uma maneira que demonstrasse puro ódio e andou apressadamente. Ela sorriu novamente, desta vez com sinceridade foi quase uma gargalhada se sentiu artista, se deu por vencida.

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